segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Jurumiá

A vereda até o tanque era estreita e deforme e Jurumiá a fazia todos os dias já conhecendo cada pedacinho do caminho, além de cada plantinha espinhuda ou urtiguenta da qual deveria evitar. Entre os baixios e altos até a lagoa, Jurumiá já não mais pensava em finalizar o mais rápido possível os trabalhos do dia enquanto seus pais não voltavam do roçado no Sol a pino para o almoço. O que a acometia agora era mais que futilidades boçais diárias, Jurumiá entronizava-se em si mesma, desmiuçando-se em pedacinhos minúsculos “donde dava um trabalho danado pra juntar” -deixou escapar em voz alta.
Não se lembrava de quando começou a pensar nessas coisas e nem se sentia incomodada, o que não compreendia era o porquê de tantas incompreensões sem uma resposta clara e objetiva. Jurumiá sabia pouco de si e o que conhecia era futilidade, lembranças que seus pais lhe contavam de sua infância, coisas bobas que qualquer criança faria, da origem de seu nome, que fora sua vó que escolhera e era de origem indígena. Mas, além disto se deparava com um “nada”. Inquietava-lhe isso.
Sentiu um gelado no pé, mal percebera quando já estava com água na canela – assustou-se – andava muito aérea ultimamente - Por quê?
- Eu tô é ficando doida! – Exclamou em voz audível
Após encher-se tanto de água quanto de pensamentos de si, pois-se a voltar por onde viera e pressentiu que iria rememorar todas as plantinhas, pedras e cantinhos do caminho até a sua casa. Às vezes, imaginava que com sua vida acontecia à mesma coisa, estava sempre presa as mesmas lembranças, aos mesmos pensamentos interiores, e como sempre, nunca encontrava saída para essa agonia reflexiva. Trilhava sempre o mesmo caminho e sentia-se como estivesse presa ao mesmo dia, sempre se repetindo.
Não gostava disso. Mas, se entregava a essas idéias parcimoniosamente, com uma religiosidade inaciana.
Não se lembrou de quando começou a divagar sobre sua existência, mas, já estava de tal maneira absorvida nesses pensamentos, que a partir do momento que acordava se dispunha a recapitular em que ponto de suas indagações havia parado e de comparar o quanto havia evoluído em seus questionamentos. Jurumiá se consumia sobre o que pensava e havia uma previsibilidade nas ações dos outros, por certo tempo, achou que tinha poderes espirituais, pois conseguia prever exatamente o que seu pedia lhe pediria e até o que ele iria falar. Com o tempo, percebeu que não eram poderes mágicos, mas conseguia coordenar uma previsibilidade nas ações dos outros e no próprio tempo. Se admirava da maneira como interpretava as coisas e começou a estimular essa visão e análise de cada coisa, de maneira tal que, após certo tempo, não havia mais espanto em secas e plantações, pois havia previsto a regularidade dessas ações. Percebeu então, pra si mesmo, que aquele mundo já tinha lhe fornecido o suficiente e era hora de alçar para outros conhecimentos. Num domingo de tarde, após a janta, soltou – Quero ir pra cidade.
Em meio ao tumulto em torno da discussão do sim ou do não de sua autoafirmação, Jurumiá pensou para si o quanto havia desenvolvido a característica de não mais pedir, mas de afirmar com convicção o que desejava e se fazer cumprida. Ascentiu para si mesma a certeza de ser uma outra pessoa, desde a descida inicial ao tanque para pegar água, quando passou a “pensar” sobre o mundo e sobre ela – Jurumiá.

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