sábado, 2 de janeiro de 2010

Considerações acerca da reminiscência fúnebre

O modo como as sociedades humanas enfrentam a perda é diverso, e, em muitas vezes estranho ao olhar cristão-ocidental. Há sociedades, onde a morte é literalmente comemorada como uma festividade, já que é interpretada como uma passagem para outro mundo. Em sua maioria esse mundo se constitui de atemporal (imortal), além de imaterial (daí o aspecto divino). Podem ser locais livres de sofrimento e de descanso e contemplação eterna, ou, dependendo das atitudes comportamentais em vida, se constituir de um reino de agruras e lamúrias. Enfim, cada sociedade atem-se à perda de formas diferentes.
No México, por exemplo, há um ritual de festividade em torno dos mortos, que remonta a tradição asteca. Já em algumas tribos africanas, o morto é venerado como um deus, por determinado espaço de tempo, sempre com alegria, bebendo-se e festejando-se em sua homenagem, ao findo de que determinado tempo, o compromisso em esquecê-lo é comunitário, destruindo-se todo e qualquer objeto que o rememore, ficando proibido inclusive de se mencionar o nome.
As interpretações sobre a perda e as conseqüentes atitudes na nossa sociedade (cristã-judaíco-ocidental), são bem consolidadas e assentadas em forte base de imaginário. Por mais que se cultue e acredite no além, o partir nunca é fácil pra quem alimentou e construiu fortes e estreitos laços com o morto. Assim, a dor e conseqüentemente a saudade que a acompanha, passam a fazer parte ou a falta dessa parte, da vida que se segue de quem fica.
Por mais que a solidariedade e comunhão de lembranças aconteçam entre todos no enterro, a dor, e principalmente a sua consumação, que acontece contínua e crescente, é algo que se sente só, no vazio da individualidade. Cada indivíduo a interpreta de maneira ímpar, assim como as reações em enfrentá-la.
Assim, um cemitério pode ser entendido como um espaço de reserva para uma dor particular, que nunca se finda, só se aplaina com o tempo. Denominamos essa dor de “saudade”, tão difícil é classificá-la que inúmeros autores foram infelizes em seus escritos sobre o tema. Esse espaço geográfico para o selamento da temporalidade física, representa o encontro de supostos dois mundos: o físico e o divino. Sela-se em tumbas a matéria, que sem vida, tende a retransforma-se (“Nada se cria, tudo se transforma” Lavoisier). O contato com esse novo e sofrível acontecimento deixa marcas, que são mais que simples cicatrizes, pois em seus picos de lembranças, causam tanto estrago quanto uma chaga recém-aberta.
Essa dor pode ser classificada como a mais estranha e didática forma de aprender. Pois, nos impele humildade, fidedignidade e constante presença do eu-só – talvez sua lição mais amarga.
Sempre que se afirma da superação de algo do tipo, tendo a desconfiar pelo simples fato que não há o que se superar. Assim, ilusões são criadas para o aliviamento de tal sofrer. Até mesmo uma mudança de rumo de vida e atitudes. Ora, mas, isso se configura como natural e compreensível. Das reações humanas a mais tradicional é livrar-se do que causa mal. O que há é que em determinado momento de tão vazio que se configurou o sentimento, a tendência é buscar-se encontrar, envolver-se socialmente. Mas, na memória a persistência da lembrança, sempre assolará. Talvez com freqüências não regulares, pois deveras, o policiamento do “super-ego” a controlará, restringindo-se assim suas manifestações a sonhos, atos falhos e nos momentos onde é mais comum um pensamento individualizado – o momento que nos dedicamos a pensar sobre nós. Mas, com dor ou sem dor (utópico), ausência ou a falta dela (contraditório) – Vida que segue.
*Publicado inicialmente em novembro/2008, quando da exursão ao Cemitério da Consolação, pelos alunos do ensino médio da Escola Vicente Leporace

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