sábado, 10 de janeiro de 2009

Considerações acerca da inutilidade

Quis a vida ou talvez minhas ações no decorrer desta, que eu fosse inútil, não no sentido de imobilidade física e mental e se mesmo assim o fosse, mil maneiras haveria de suplantar tal rotulação. Minha vida sempre feneceu sem altos e baixos e mais do que isso sem nenhuma emoção que justificasse alguma reação extrema ou que provocasse alguma atitude que demonstrasse que não nasci fadado a uma vida sem sentido. Nasci, vivi e vivo para essa eterna morosidade improdutiva que me acometi e me acompanha. Não pense o caro leitor que sou um pessimista ou sofra de alguma depressão profunda que cega-me a ponto de não encontrar um ponto de condução para a saída dessa situação. Quando me refiro à inutilidade, discorro sobre a falta de utilidade sobre as pessoas uma sobre as outras. Dentre os sentidos que mais e sempre percebi como essencial, acredito que o tato sempre se configurou como o mais importante, seguido sem dúvidas pelo olfato. Assim, uma pessoa que não destaca o tato e nem o seu cheiro a outrens, a meu ver se tornou um inútil. Toda a ausência dos outros sentidos pode facilmente ser contornada. O mundo de hoje configurou-se num mundo do tato e do olfato, fazer-se sentir pelo toque ou pelo cheiro é o que marca a presença de uma pessoa e a sua autoafirmação ante os outros. Assim penso eu.Num mundo cada vez mais populoso e urbano, hilaricamente são os dois sentidos menos trabalhados. As pessoas se esbarram o tempo todo, mas pouco se tocam e não se cheiram, não se sentem humanas, vivem em função das ilusões que a visão provoca. Tudo tão falso e desfigurado que nada lhes acrescentam em sentido e vivem de uma ilusão interina da qual a possibilidade de se libertarem é mínima. Nesse mundo estou, não ando só, mas é como se estivesse o tempo todo. Na verdade, além de não sentir as pessoas, também não me sinto. Isso aumenta o meu vazio e a sensação de não ser nada. Na verdade, me sinto o próprio nada, se o nada assim for algo. Tudo que produzi e tudo para o que vivi foi no sentido de acumular algo quer em capital, quer material, assim, a minha afirmação pensava ser pelo que possuía e não pelo que era. Um mundo de aparências e desprovido de essência básica existencial. É uma sociedade doente e eu sou só mais um sem saúde. Nessa percepção vivi e hoje me arrisco aqui a escrever sobre essa doença da qual sou acometido, mais por escolha minha, do que da vida. Se hoje tenho a percepção do inútil que me tornei é como um paciente que tem um câncer e vive parcimoniosamente, até o dia que é informado pelo médico do diagnóstico fatal. E assim sua vida torna-se um estorvo de lamúrias e rememorações acerca do que viver e do que ira deixar de fazer. A posteridade me absolverá de tamanha boçalidade, pois acredito que despertei a tempo de contemplar o cadáver que me tornei e como é avançado o seu estado de decomposição moral. Não preciso do perdão do leitor e não escrevo no sentido de obter sua clemência ou fazê-lo sentir-se tocado, ao leitor e do leitor nada me interessa aqui nessas linhas e não me tenha como mal educado. Pois aqui não estou para fazer-lhe grado e sim escrever sobre o que penso. Se nas primeiras linhas o tratei com educação, outorgando-lhe inclusive o título de “caro”, foi para que não deixasse de acompanhar essa lamúria em prosa de um personagem que desperta, de certo tarde, mas que desperta.

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