Quis a vida ou talvez minhas ações no decorrer desta, que eu fosse inútil, não no sentido de imobilidade física e mental e se mesmo assim o fosse, mil maneiras haveria de suplantar tal rotulação. Minha vida sempre feneceu sem altos e baixos e mais do que isso sem nenhuma emoção que justificasse alguma reação extrema ou que provocasse alguma atitude que demonstrasse que não nasci fadado a uma vida sem sentido. Nasci, vivi e vivo para essa eterna morosidade improdutiva que me acometi e me acompanha. Não pense o caro leitor que sou um pessimista ou sofra de alguma depressão profunda que cega-me a ponto de não encontrar um ponto de condução para a saída dessa situação. Quando me refiro à inutilidade, discorro sobre a falta de utilidade sobre as pessoas uma sobre as outras. Dentre os sentidos que mais e sempre percebi como essencial, acredito que o tato sempre se configurou como o mais importante, seguido sem dúvidas pelo olfato. Assim, uma pessoa que não destaca o tato e nem o seu cheiro a outrens, a meu ver se tornou um inútil. Toda a ausência dos outros sentidos pode facilmente ser contornada. O mundo de hoje configurou-se num mundo do tato e do olfato, fazer-se sentir pelo toque ou pelo cheiro é o que marca a presença de uma pessoa e a sua autoafirmação ante os outros. Assim penso eu.Num mundo cada vez mais populoso e urbano, hilaricamente são os dois sentidos menos trabalhados. As pessoas se esbarram o tempo todo, mas pouco se tocam e não se cheiram, não se sentem humanas, vivem em função das ilusões que a visão provoca. Tudo tão falso e desfigurado que nada lhes acrescentam em sentido e vivem de uma ilusão interina da qual a possibilidade de se libertarem é mínima. Nesse mundo estou, não ando só, mas é como se estivesse o tempo todo. Na verdade, além de não sentir as pessoas, também não me sinto. Isso aumenta o meu vazio e a sensação de não ser nada. Na verdade, me sinto o próprio nada, se o nada assim for algo. Tudo que produzi e tudo para o que vivi foi no sentido de acumular algo quer em capital, quer material, assim, a minha afirmação pensava ser pelo que possuía e não pelo que era. Um mundo de aparências e desprovido de essência básica existencial. É uma sociedade doente e eu sou só mais um sem saúde. Nessa percepção vivi e hoje me arrisco aqui a escrever sobre essa doença da qual sou acometido, mais por escolha minha, do que da vida. Se hoje tenho a percepção do inútil que me tornei é como um paciente que tem um câncer e vive parcimoniosamente, até o dia que é informado pelo médico do diagnóstico fatal. E assim sua vida torna-se um estorvo de lamúrias e rememorações acerca do que viver e do que ira deixar de fazer. A posteridade me absolverá de tamanha boçalidade, pois acredito que despertei a tempo de contemplar o cadáver que me tornei e como é avançado o seu estado de decomposição moral. Não preciso do perdão do leitor e não escrevo no sentido de obter sua clemência ou fazê-lo sentir-se tocado, ao leitor e do leitor nada me interessa aqui nessas linhas e não me tenha como mal educado. Pois aqui não estou para fazer-lhe grado e sim escrever sobre o que penso. Se nas primeiras linhas o tratei com educação, outorgando-lhe inclusive o título de “caro”, foi para que não deixasse de acompanhar essa lamúria em prosa de um personagem que desperta, de certo tarde, mas que desperta.
sábado, 10 de janeiro de 2009
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